Uma discussão que está na ordem do dia refere-se à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 3/2022, apresentada pelo Dep. Arnaldo Jordy (Cidadania/PA), em andamento no Senado Federal, após ter sido aprovada na Câmara Federal em fevereiro de 2022, que tem por objeto a transmissão em favor dos ocupantes e dos foreiros dos terrenos de marinha. Com efeito, os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens públicos da União, estando situados a partir de uma faixa de 33 metros de largura contada a partir da linha de preamar médio de 1831 em toda a costa brasileira, e nas margens de rios e lagoas.
Os terrenos de marinha podem ser utilizados pelos particulares, através dos regimes de ocupação e de aforamento, desde que devidamente inscritos perante a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ambos feitos de forma onerosa (pagamento anual de foro ou de taxa de ocupação). Segundo a SPU, há atualmente no Brasil cerca de 500 mil imóveis cadastrados como terrenos de marinha.
Em tais hipóteses, há os seguintes inconvenientes: (i) a incidência concomitante da taxa de ocupação/foro pela utilização do bem à SPU e do imposto predial territorial urbano (IPTU) ao município; (ii) nas transferências de tais bens, além do pagamento do imposto de transmissão da propriedade imobiliária (ITIV/ITBI), o particular se obriga a pagar o laudêmio que corresponde a uma taxa de 2,5% a 5% sobre o valor do imóvel; e (iii) impossibilidade de o bem de marinha ser dado em garantia em operação de crédito e a impossibilidade de obtenção de financiamento para a sua aquisição, uma vez que a propriedade pertence à União.
A PEC nº 3/2022, em seu art. 1º, incs. III e IV, estabelece que os bens de marinha atualmente ocupados por particulares inscritos na SPU, por força de aforamento ou de ocupação, passam ao regime do direito privado, transferindo-os aos particulares, e que passam ao domínio dos ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 anos antes da data da publicação da EC e seja formalmente comprovada a boa-fé. A transferência de tais bens de marinha deve se operar em regra onerosamente, devendo a União adotar as providências para que seja realizada em até 2 anos. Há a previsão de que as áreas de marinha afetadas aos serviços públicos estadual e municipal passam ao domínio pleno dos respectivos Estados e Municípios.
Atendo-se ao texto da mencionada PEC nº 3/2022, não nos parece verídica a informação veiculada pela imprensa em geral de que haveria a privatização das praias ou que o seu texto teria como objetivo impedir o acesso da população às praias. Tais informações absolutamente inverídicas são fruto de disseminação de desinformação motivada por razões políticas e ideológicas.
O objetivo da PEC nº 3/2022 é, apenas e tão-somente, viabilizar aos atuais ocupantes e foreiros de terrenos de marinha a aquisição do direito de plena propriedade, cessando a incidência das obrigações de foro, de taxa de ocupação e do laudêmio. Os bens de marinha, por força de ocupação e de aforamento, devidamente inscritos perante a SPU, já são utilizados atualmente pelos particulares, de sorte que a referida PEC não inova em relação ao acesso às praias.
Vale dizer, as praias continuam classificadas como bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado livre e franco acesso a elas e ao mar, ressalvados os trechos considerados de interesse nacional ou incluídos em áreas protegidas por lei específica. Prevê a PEC nº 3/2022, em seu art. 2º, que fica vedada a cobrança de foro e de taxa de ocupação das áreas de terreno de marinha, bem como de laudêmio sobre a transferência de domínio. Em boa hora, ajusta-se que não haverá mais a incidência da obrigação de recolher o foro, a taxa de ocupação pela utilização regular de bens de marinha, nem tampouco o laudêmio nos casos de transferência de tais imóveis, diminuindo as obrigações financeiras que incidem sobre os particulares.
A rigor, a resistência do governo federal à PEC nº 3/2022 retrata uma opção fazendária, eis que perderia a receita com o fim do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio. Portanto, pode-se concluir que a PEC nº 3/2022 revela-se uma proposta favorável aos particulares, por permitir a aquisição da propriedade em áreas já atualmente ocupadas por força do regime de aforamento e de ocupação, isentando-os do pagamento do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio.
Tribuna do Norte