Ícaro Carvalho
Repórter
Margareth Grilo
Editora de Economia
Após uma vida inteira de serviços prestados para as áreas de educação, arquitetura e urbanismo, o casal Leonardo Tinoco e Conceição Varella poderia utilizar o tempo da aposentadoria para descanso, lazer com a família e viagens, sonhos que programaram durante anos.
No entanto, o desejo de deixar um “legado futuro” para a sociedade os levou para outro caminho: o empreendedorismo. Com uma propriedade rural na família há décadas, o casal resolveu investir e empreender há quatro anos para criar a Fazenda Matina, com foco na produção de frutas e legumes orgânicos num espaço praticamente 100% sustentável. A realidade do casal é um exemplo do quanto o conceito de aposentadoria tem se transformado nas últimas décadas.
Segundo o Mapeamento do Ecossistema de Empreendedorismo Inovador e Startups do RN 2023, estudo elaborado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no RN (Sebrae-RN), no Rio Grande do Norte, o número de empreendedores e empreendedoras com mais de 60 anos cresceu 300% em um período de 15 anos. O estudo mostra que o número de empreendedores com mais de 60 anos passou de 0%, em 2008, para 3,3% da totalidade, em 2023, que comandam mais de 7.880 negócios no RN. O Estado contabiliza 238.903 micros e pequenas empresas, segundo dados da Receita Federal.
Atualmente, o casal, que abre essa reportagem, possui uma banca na Central de Agricultura Familiar (Cecafes), em Natal, vendendo vários dos produtos produzidos de maneira orgânica na fazenda. São produtos como banana, coco, cajá manga, macaxeira, limão, ovo caipira, rúcula, tomate, alface, coentro, leite de coco, pescados, entre outros itens. A ideia é ter produtos minimamente processados com o intuito de reduzir geração de resíduos e reaproveitá-los como adubo, ração ou preparo de defensivos naturais de combate a pragas e doenças na plantação. Há ainda reuso de água.
“Comecei a enxergar que dentro da fazenda nós tínhamos uma escola, um laboratório e que podíamos fazer uma pedagogia e um trabalho concreto. Começamos a pensar num projeto educacional para trazer pessoas visando entender a forma de plantio, trato do solo, coletas seletivas, minhocário, e tudo isso é conteúdo escolar e curricular”, cita.
O casal conta ainda que a Fazenda Matina, que recebe semanalmente visitas escolares e acadêmicas, adota um conceito de sustentabilidade em todas as etapas de produção das frutas e legumes, conceitos todos utilizados durante toda a carreira de Leonardo como engenheiro agrônomo. A fazenda tem estações de produção, com minhocário, aquaponia, agroecologia e hortas orgânicas. Além da expertise profissional de sala de aula e consultorias ambientais, a experiência de vida adquirida em décadas de profissão é fundamental no funcionamento da fazenda, avalia Conceição.
“Para mim o empreendedorismo foi sendo algo construído a medida que fomos entendendo o projeto”, cita Conceição. “Na maior parte da minha vida fui autônomo. Então o empreendedorismo sempre esteve no meu cotidiano. O que trouxemos para esse momento é o que acumulamos na nossa história de vida, que são as experiências, que vai nos deixando menos voluntarista e mais pé no chão. Acho que quem acumula essa bagagem da idade e a vivência e toda uma dedicação de estudos que sempre tivemos, juntamos a teoria com a prática e isso nos traz uma visão mais qualificada de não só fazer para ganhar dinheiro. Queremos também deixar um legado para a sociedade”, acrescenta Leonardo Tinoco.
Mercado da terceira idade movimenta R$ 1,6 trilhão no Brasil
O mercado de consumo para a terceira idade no Brasil já movimenta pelo menos R$ 1,6 trilhão na economia. Mesmo tendo uma alta participação na economia nacional, a oferta de produtos, serviços específicos e oportunidades no mercado de trabalho apresenta gargalos.
O Instituto Locomotiva projeta que, até 2045, o Brasil tenha cerca de 90 milhões de consumidores ativos na terceira idade. Esses dados revelam uma grande oportunidade de nichos de mercado para profissionais e para empresas.
“Com o fim do bônus demográfico e o envelhecimento da população, esta é a única camada da população que só vai crescer, faça chuva ou faça sol. Isso abre oportunidades econômicas e também demandas por políticas públicas”, aponta Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Psicóloga aposta em startup para ampliar inclusão da mulher no mercado de trabalho
O “mercado prateado”, conceito utilizado para definir empreendedorismo na terceira idade, ganha cada vez mais terreno no Rio Grande do Norte. Uma das startups criadas no RN recentemente é a LanaCos, fundada pela psicóloga macauense Lana Souza, 61 anos.
Trabalhando durante toda a vida na área de Recursos Humanos, Lana percebeu as dificuldades da inserção feminina no mercado de trabalho, e acima de tudo, em funções de cargos de liderança nas empresas. Sua startup, que está em fase de validação para ingressar no mercado, consiste numa plataforma digital de recrutamento e seleção para pequenas empresas que priorizam a inclusão das mulheres.
“Mulheres acabam não assumindo lideranças em certas oportunidades. Elas até são convidadas e acabam recusando muitas vezes por não se sentirem preparadas. Há uma questão histórica em cima disso”, explica.
Para viabilizar a plataforma, a CEO Lana Souza conta que conseguiu os recursos em editais do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), recebendo aporte financeiro para construir sua startup.
A plataforma atua em duas frentes: análise de perfil e elaboração do currículo para as mulheres, fazendo avaliação do perfil comportamental para compreender os pontos que precisam ser melhorados, e captação e seleção de currículos para as empresas, auxiliando ainda na gestão do processo seletivo. As mulheres não pagam para inserir os currículos, ficando a cargo das empresas fazer as assinaturas para usufruir dos serviços da startup.
“Nossa plataforma tem filtros inteligentes e ela dispõe de dois pontos: a candidata cadastrando o currículo e a empresa a vaga. E como monetizamos? As empresas que vão pagar, adquirindo assinaturas onde elas vão ter acesso a esse banco de dados”, explica Lana Souza. “Existem dados do IBGE de empresas de até 60 colaboradores, que são pequenas e médias empresas, em que 65% do quadro são masculinos, quase sem mulheres. Nossa ideia é aumentar isso”, acrescenta.
“Muita gente empreende por necessidade, não foi meu caso. Eu podia estar viajando e tudo mais, mas tenho um propósito: quero deixar um legado e ajudar realmente essas mulheres. Venho de família humilde e pobre e quero fazer a diferença na vida dessas mulheres. E nós nessa idade temos muito potencial, com nossa história de vida e acho que posso contribuir muito!”, finaliza.
Geração prateada está mais conectada do que nunca
Além de empreender, a geração +60 tem se reinserido cada vez mais no mercado de trabalho, com empresas investindo em ações e iniciativas para abarcar este público.
De acordo com a gerente de Talentos e Cultura do Banco Mercantil, Priscila Lopes, a geração prateada está mais conectada do que nunca e tem ocupado espaços que, antes, eram dominados pelos jovens. Cada vez mais ativo, este público explora novas oportunidades no mercado de trabalho, empreende e aproveita os recursos tecnológicos para viver melhor, com mais conforto e praticidade.
Segundo Priscila, o Mercantil tem feito um esforço para atrair profissionais nessa faixa etária e a inversão da pirâmide do IBGE, que mostra o aumento da população idosa no Brasil, já pode ser notada na idade dos colaboradores do Banco. “Há 5 anos, a maioria dos nossos funcionários tinha idade até 25 anos. Atualmente, temos mais de 50% do time com idade acima de 30 anos”, observa.
O Banco Mercantil, inclusive, tem apoiado uma série de ações focadas neste público, como o MaturiFest, evento para profissionais, empreendedores e líderes acima dos 50 anos. O evento é promovido pela Maturi, referência na luta pela diversidade etária e parceira do Mercantil. Em 2024, será realizado entre os dias 14 e 16 de agosto de forma presencial com transmissão online. O Mercantil participa do evento com a Oficina Acelera 50+, com possibilidade de prêmio de R$ 20 mil e 6 meses de consultoria para o projeto vencedor.
Tribuna do Norte