Em quase duas semanas de seu retorno à Casa Branca, o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, surpreendeu especialistas e parte do mercado financeiro ao revelar uma postura mais pragmática e menos agressiva em relação à China, sua grande adversária comercial.

Se durante a corrida eleitoral o republicano disparava contra o país — prometendo tarifas imediatas e de até 60% sobre produtos importados chineses —, agora, eleito, o tom tem sido mais ameno.

O presidente norte-americano não só deixou de aplicar taxas mais altas contra os asiáticos neste primeiro momento: ele também indicou a possibilidade de que os dois países cheguem a um acordo comercial.

“Eu posso fazer isso [firmar acordos com a China] porque tenho algo que eles querem: uma mina de ouro”, disse, ao ser questionado em entrevista à Fox News se seria possível firmar entendimentos com o líder chinês, Xi Jinping.

“Temos um grande poder sobre a China: as tarifas. E eles não as querem. Isso é um tremendo poder sobre o país”, acrescentou o republicano.

Por mais que ainda sejam os primeiros dias de governo, a falta de ação de Trump na questão tarifária tem se refletido de forma positiva nos mercados emergentes, o que inclui o Brasil.

A mais nova prova de fogo desse otimismo ficou para este sábado (1º). Essa é a data para a qual o republicano prometeu aplicar tarifas de 25% sobre produtos do Canadá e do México, além de uma tributação adicional de 10% sobre itens da China. Ele reafirmou a promessa nesta quinta-feira (30).

Enquanto os anúncios não se confirmam, a falta de medidas concretas tem se refletido na valorização do real em relação ao dólar. Desde que o bilionário reassumiu a Casa Branca, a moeda brasileira avançou 3,13% em relação à norte-americana. Nesta quinta, fechou cotada a R$ 5,85.

Isso acontece porque o mercado financeiro já vinha esperando por um Trump bastante duro em seu protecionismo. A quebra dessa expectativa inicial fez os agentes reajustarem suas rotas, à espera de novos sinais sobre a postura do presidente.

“Fiquei surpreso. Não esperava em hipótese alguma pela falta de medidas objetivas de Trump”, diz o economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria. “As ameaças ficaram muito mais no discurso, pelo menos por enquanto, do que em algo genuíno.”

O modo de agir de Trump é semelhante ao de seu admirador e presidente argentino, Javier Milei, que mudou completamente de discurso sobre o gigante asiático após assumir o poder.

Conforme mostrou o g1, Milei dizia em sua campanha que não faria negócios com a China e “nenhum comunista”. No governo, passou a se referir ao país como “parceiro comercial muito interessante” e fez questão de marcar um encontro bilateral com Xi Jinping, no G20, em novembro do ano passado.

Para o professor Rodrigo Zeidan, da New York University Shanghai e da Fundação Dom Cabral, tanto o presidente norte-americano quanto o argentino seguem a mesma lógica.

“Uma coisa é ser eleito. Outra, ter que governar. A China é um grande parceiro comercial dos EUA. Então, há muito interesse”, diz. “Trump promete o que tem que prometer para vencer a eleição. Mas, quando tem que tomar efetivamente as medidas, negocia.”

Balança comercial

De janeiro a novembro de 2024, a China correspondeu a 10,8% das importações feitas pelos norte-americanos.

O economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, destaca que o país asiático foi o segundo que mais exportou para os EUA, atrás apenas do México (12,5%). Em terceiro lugar, ficou Canadá (10,1%).

Quando observadas as exportações dos norte-americanos, a China foi o terceiro principal destino, consumindo 5,38% do total das vendas. Enquanto isso, o maior comprador dos EUA foi o Canadá (12,96%), seguido pelo México (12,4%).

Relação comercial entre EUA e China. — Foto: Kayan Albertin/Arte g1

Relação comercial entre EUA e China. — Foto: Kayan Albertin/Arte g1

“Apesar de a China ser o terceiro maior importador dos EUA, os norte-americanos acumularam um déficit de US$ 267,4 bilhões com o país asiático de janeiro a novembro de 2024”, diz Galhardo. “Em 2023, o rombo já havia sido parecido, de R$ 256,6 bilhões.”

“Os dados mostram que o relacionamento comercial dos EUA com a China é muito pior do que com outros parceiros importantes, como o Canadá e o México”, acrescenta.

Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, lembra que os norte-americanos dependem dos asiáticos, especialmente para importação de itens de tecnologia da informação, semicondutores, aparelhos elétricos e bens manufaturados — que são mais baratos quando produzidos no país.

“Taxar produtos importados pode prejudicar ambas as partes”, diz. “A imposição de tarifas deve elevar a inflação nos EUA. Assim, o banco central americano vai demorar mais para cortar os juros. Isso fortalece o dólar e, consequentemente, deprecia as moedas de países emergentes.”

Então, é danoso para todo mundo. Além disso, um país vai fazer a réplica [responder com mais tarifas] e outro vai fazer a tréplica. Assim, a inflação fica mais pegajosa no mundo inteiro.”

Para Dumas, o cenário é de cautela mesmo que ocorra um eventual acordo. O especialista lembra que, apesar de os países terem chegado a um acerto durante o primeiro governo de Trump para aliviar a guerra comercialhouve taxação.

Imediatamente, Trump afirmou que aplicaria tarifas emergenciais de 25% sobre todos os produtos importados da Colômbia, aumentando essa taxa para 50% em uma semana. As ameaças comerciais deram certo: na manhã seguinte, Gustavo Petro voltou atrás.

Donald Trump, presidente dos EUA, e Gustavo Petro, presidente da Colômbia — Foto: Jim Watson, Yuri Cortez / AFP

Donald Trump, presidente dos EUA, e Gustavo Petro, presidente da Colômbia | Foto: Jim Watson, Yuri Cortez / AFP

Enquanto a Colômbia não figura nem entre os 10 principais parceiros comerciais dos EUA, a China é um mercado bastante importante para o país. Esse fato pode ajudar a explicar a postura “menos prática” de Trump contra os asiáticos neste início de governo, diz Lívio Ribeiro.

Segundo o especialista, a preocupação de Trump com a inflação norte-americana é um fator que também pode estar pesando para essa postura menos agressiva em relação às tarifas. Como já dito aqui, a taxação tende a elevar preços internos — algo que o republicano não quer.

“No curto prazo, e possivelmente a médio prazo, você não consegue compensar esse aumento do preço do produto importado com uma maximização da produção nacional”, diz.

Portanto, acrescenta Ribeiro, o país terá ou a mesma quantidade de produtos a valores maiores, ou menos produtos entrando. “Ou seja, preços mais elevados.”

“Esse debate possivelmente ganhou mais atenção e, talvez, esteja na raiz de não termos tido, oficialmente, nenhum tipo de medida formalizada por Trump. Mesmo o anúncio previsto para este sábado ainda está sub judice [em análise]”, conclui.

Até o momento, os chineses têm se mostrado dispostos a evitar uma nova guerra comercial. Na última sexta-feira (24), a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, disse que os dois países podem resolver suas diferenças por meio do “diálogo”.

“A cooperação econômica e comercial entre a China e os EUA é benéfica para ambos os lados”, disse, ao declarar que seu país “nunca” busca deliberadamente ter um superávit comercial.

“Guerras comerciais e tarifárias não têm vencedores e não servem aos interesses de ninguém”, completou.

Quais são os impactos para o Brasil?

 

Medidas como o aumento de tarifas de importação e a política anti-imigração de Trump podem gerar mais inflação nos EUA. Além disso, a renúncia de impostos para favorecer as empresas norte-americanas é vista como um risco para as contas públicas do país.

Esses são apenas dois motivos que indicam que o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, terá mais dificuldade de controlar os preços, mantendo os juros elevados no país.

Na decisão da última quarta-feira (29), a primeira com Trump de volta à Casa Branca, o Fed ignorou a pressão do republicano por cortes e manteve os juros inalterados, na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano.

g1

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