Após alteração de última hora e apenas três minutos antes do fim do prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 11, o texto-base do projeto de lei que mantém a desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios em 2024, prevendo a reoneração gradual a partir de 2025. O placar foi de 253 votos favoráveis, 67 contrários e 4 abstenções. A sessão foi interrompida às 2h24 e será retomada às 9h para conclusão.
O texto, alinhavado na noite desta quarta-feira pela equipe econômica e pelas lideranças da Casa, traz uma nova redação em relação à versão aprovada no Senado – a mudança, no entanto, está sendo considerada como um ajuste de redação e, por isso, o projeto não terá de passar por nova análise dos senadores. A expectativa é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancione a lei assim que ela chegar ao Palácio do Planalto. A aprovação do texto-base ocorreu às 23h57, sendo que o prazo determinado pelo STF para se concluir um acordo sobre o tema terminava nesta quarta-feira.
O novo trecho incluído no texto prevê que a apropriação, pelo Tesouro Nacional, de valores esquecidos em instituições financeiras, mesmo que não computada como receita primária pelo Banco Central, será considerada para fins de cumprimento da meta fiscal do governo. Dessa forma, esses montantes poderão servir como parte da compensação à desoneração. Hoje, no entanto, o cálculo válido para a verificação do resultado primário é o do BC.
O chamado resultado primário é a diferença entre receitas e despesas sem considerar os juros da dívida pública. Ou seja, o número que determina se o governo fechou o ano no azul ou no vermelho e se cumpriu ou não a meta estabelecida pela equipe econômica. Quando há descumprimento, gatilhos são acionados e o governo é obrigado a gastar menos.
“A redação deixa claro que o objetivo é forçar um entendimento sobre o cumprimento da meta. Contudo, é altamente questionável que a lei ordinária que está sendo proposta delimite os poderes que foram atribuídos ao BC por lei complementar (do arcabouço fiscal). De qualquer forma, o desejo de se viabilizar um cumprimento da meta ao atropelo dos padrões estatísticos internacionais está evidenciado”, afirma o ex-secretário do Tesouro e head de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt.
Esse novo trecho foi incluído pela então relatora da proposta, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), nos momentos anteriores à votação. A mudança atendeu a acordo das lideranças com o Ministério da Fazenda para contemplar alertas do BC, mas foi além dos pontos levantados pela autoridade monetária, criando essa exceção no regramento fiscal.
Any Ortiz, porém, abriu mão da relatoria, que passou para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “Guimarães, que o senhor assine essa chantagem que estamos vendo aqui hoje. Não tenho como assinar esse relatório da forma como foi feito, no limite do prazo”, disse a deputada.
“Nós conseguimos um acordo feito com a faca no pescoço, como com um sequestrador. Nós estamos aqui como reféns, temos uma hora para aprovar esse projeto para que amanhã os setores não tenham uma conta impagável no colo. Vamos garantir a desoneração, mas é lamentável o que o STF está fazendo com o apoio do Executivo, passando por cima da maioria do Congresso”, afirmou ela, destacando que, apesar de desistir da relatoria, iria votar de forma favorável ao texto.
Ao assumir a relatoria, Guimarães afirmou: “Tenho maior orgulho de relatar essa matéria. Ela é boa, ajuda os pequenos municípios e os 17 setores”.
O BC, como mostrou o Estadão, enviou na última segunda-feira uma nota técnica aos deputados criticando a forma de se contabilizar esses montantes esquecidos nas contas bancárias, que somam R$ 8,6 bilhões. No documento, a autoridade afirmava que a incorporação desse montante bilionário no cálculo das contas públicas estava “em claro desacordo com sua metodologia estatística, indo de encontro às orientações do TCU (Tribunal de Contas da União) e ao entendimento recente do STF sobre a matéria.”
Caminho similar já foi realizado por governo e Congresso na proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada no fim de 2022. Na ocasião, a PEC autorizou o governo Lula a incorporar R$ 26 bilhões esquecidos por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep como receita primária – engordando os cofres públicos. O Tesouro seguiu o texto da lei e incorporou o valor no primário de 2023, mas o mesmo não foi feito pelo BC – gerando uma discrepância bilionária nas duas contabilidades.
Para evitar que essa diferença ficasse ainda maior, a versão aprovada pelo Senado afirmava que o dinheiro esquecido nas contas deveria ser considerado “como receita orçamentária primária para todos os fins das estatísticas fiscais”. Ou seja, havia a tentativa de fazer com que o BC também computasse o valor na sua metodologia, que é o número oficial para fins de cumprimento da meta.
Com a reclamação do BC, esse trecho que tratava de “todos os fins das estatísticas fiscais” foi retirado, mas foi incluída a previsão de que os valores das contas esquecidas sejam “considerados para verificação do cumprimento da meta de resultado primário” – mesmo que o BC não considere esses montantes como receita primária.
Estadão
Tribuna do Norte