Bruno Vital
Repórter

Um projeto inédito de formação acadêmica voltada exclusivamente para capacitar indígenas no setor eólico vem transformando a realidade de comunidades no Rio Grande do Norte, mais precisamente na cidade de João Câmara, região Agreste do Estado. A iniciativa é resultado da parceria entre CPFL Energia e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RN) e já formou 19 homens e mulheres das comunidades Amarelão, Santa Terezinha e Serrote de São Bento, com alguns participantes já contratados para atuar no mercado das energias renováveis.

A ideia do curso foi desenvolver carreiras e gerar novas oportunidades de trabalho na manutenção e operação de parques eólicos instalados nas proximidades das aldeias. João Câmara é o segundo município do Rio Grande do Norte em geração de energia eólica, com 29 parques e 741 kW de potência instalada, segundo o Mapa das Energias Renováveis, do Mais RN. É nesse entorno que estão as comunidades Amarelão, Santa Terezinha e Serrote de São Bento, do povo Potiguara Mendonça, com uma população de 2,4 mil indígenas, conforme mapeamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

João Manoel Batista, de 22 anos, morador do Assentamento Santa Terezinha, via o manejo da castanha de caju como principal fonte de renda, antes da chegada da capacitação. Ele conta que enxergou o curso como uma forma de trilhar a área que gosta e sair de uma rotina exaustiva e insalubre na torra da castanha. Hoje ele exerce a função de técnico de manutenção na CPFL. “Quando apareceu essa oportunidade, eu achei bom demais. Já tinha um curso de eletrotécnica e ingressei para ter mais conhecimento, então juntou uma coisa com a outra e deu tudo certo”, destaca.

A diretora do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), do Senai-RN, Amora Vieira, destaca a receptividade das comunidades. “Não tivemos nenhum tipo de resistência ou qualquer problema de aceitação. Pelo contrário. As lideranças receberam o Senai e a CPFL e se engajaram na formação”, diz. “Isso é muito importante porque estamos diante de um novo mercado e é preciso entender essa responsabilidade social e ambiental”, completa Roberto Serquiz, presidente da Federação das Indústrias (Fiern).

A exemplo de João, Luiz Victor da Silva, de 20 anos, também seguia o ofício de grande parte da comunidade, trabalhando com castanha de caju. Morador de Serrote de São Bento, Luiz conta que sempre demonstrou curiosidade sobre o setor eólico. Recentemente, ele foi contratado como auxiliar de manutenção, também na CPFL. “Eu trabalhava com castanha, mas já gostava da área, fazia alguns bicos de elétrica, tentava entender. Foi incrível esse curso e quando apareceu o pessoal da empresa chamando a gente para trabalhar foi uma alegria imensa”, relata.

Símbolos da transformação nas comunidades indígenas da região, João Manoel e Luiz Victor foram contratados há cerca de um mês e estão na fase de treinamentos, nos parques eólicos do grupo CPFL Energia, que já investiu cerca de R$ 4 bilhões no RN. A experiência não apenas trouxe uma nova profissão, mas também ampliou horizontes e incentiva o surgimento de novos talentos. “É uma questão que fortalece o nosso pertencimento à comunidade porque todos nos parabenizam. Sinto que posso ser exemplo para outros também, de que as oportunidades aparecem quando estamos preparados”, diz João Manoel.

Capacitação teve duração de oito meses
A formação, que incluiu aulas teóricas e práticas, foi estruturada para atender às necessidades específicas da indústria eólica. Com uma carga horária de 480 horas, a capacitação teve duração de oito meses, de agosto de 2023 a abril de 2024. A formatura ocorreu em maio deste ano. Ao longo desse período, os alunos tiveram contato com seis diferentes áreas de conhecimento. As aulas foram divididas nos módulos: eletricista industrial, introdução a sistemas de energia renovável, medição anemométrica para energia eólica, sistemas elétricos aplicados a parques eólicos, tecnologia em aerogeradores e segurança do trabalho nas alturas.

Para a CPFL, a iniciativa foi uma oportunidade de promover inclusão social de maneira concreta e eficaz, diz Fábio Rodrigues Ferreira, gerente de Sustentabilidade da CPFL Renováveis. “Temos o compromisso de levar muito mais do que energia às cidades onde estamos presentes. Vislumbramos na elaboração deste curso a oportunidade de levar conhecimento e transformar a vida de famílias que vivem nessas comunidades. Agora, habilitados para atuar no mercado de geração de energia eólica, esses profissionais formados ganharão uma nova fonte de renda e a possibilidade de trilhar caminhos que jamais imaginavam”, afirma.

Amora Vieira, diretora do CTGAS-ER, acrescenta que a formação vai além da preparação para o setor eólico somente. Ela avalia que a ação representa um marco na inclusão de populações tradicionais, que eram naturalmente excluídas nos processos de desenvolvimento industrial e tecnológico do País, mas sem abandonar as raízes indígenas. A expectativa é de que o projeto seja o primeiro de outras iniciativas que envolvam as populações locais.

“Foi um passo importante com expectativas de novas oportunidades de carreira e isso vale para a indústria de forma geral, não só a de energia. O que vimos foi um comprometimento de toda a turma e um orgulho tremendo na formatura, dos formandos, das famílias, das pessoas da comunidade. Acho que isso faz parte também, trabalhar esse lado para que elas se sintam orgulhosas. Seria muito conveniente o Senai ofertar um curso de manejo de castanha, mas não era isso que a empresa queria para aquela comunidade e o Senai poderia oferecer algo além disso”, comenta.

João Câmara é a cidade mais indígena do RN
Além de sediar 10% dos parques eólicos do Rio Grande do Norte, a cidade de João Câmara abriga 20,6% dos indígenas do Estado, de acordo com o Censo 2022, divulgado pelo IBGE. Em números absolutos são 2.421 pessoas do povo Potiguara Mendonça vivendo na capital do Mato Grande. Ao todo, a população indígena do Estado é de 11.275. As aldeias Amarelão, Santa Terezinha e Serrote de São Bento, de João Câmara, destacam-se pela forte organização social e pela atuação em prol dos direitos dos povos originários. Entre as diversas atividades que garantem a subsistência desses grupos, o beneficiamento da castanha de caju é a principal fonte de renda.

De acordo com estudos do Departamento de Antropologia da UFRN, o manejo da castanha se consolidou como alternativa de geração de renda, substituindo a antiga produção de algodão, ainda na década de 1980. De maneira geral, as famílias trabalham de forma artesanal, processando a castanha em etapas que incluem seleção, torragem, quebra e despeliculagem, muitas vezes em áreas afastadas das residências para evitar problemas de saúde relacionados à fumaça. Apesar das dificuldades, a atividade continua a ser um pilar econômico e cultural nas comunidades.

Eólicas vão gerar 1,1 milhão de empregos até 2038
No fim do ano passado, o Fórum de Energias Renováveis destacou projeções promissoras para a região Nordeste, com impacto positivo para o Rio Grande do Norte, que lidera o setor. Estimativas apresentadas indicam que a instalação de parques eólicos em terra poderá gerar 1,1 milhão de empregos diretos e indiretos até 2038. Desse total, 85% das vagas serão concentradas nas atividades de operação e manutenção. O evento foi promovido pelo Sebrae em parceria com Senai-RN e Fiern.

Além disso, o futuro da geração de empregos no setor de energias renováveis promete ser ainda mais promissor com a chegada dos projetos de parques eólicos offshore. Embora ainda aguardem licenciamento, esses projetos têm potencial para amplificar os números já expressivos de geração de emprego. No Rio Grande do Norte, por exemplo, 14 projetos de complexos offshore, com uma capacidade total de 25,4 GW, aguardam análise do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Tribuna do Norte

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