O economista Antônio Delfim Netto, que morreu na segunda-feira (12), aos 96 anos. Ele se encontrava internado desde a segunda da semana passada (5/8), no Hospital Albert Einstein, em São Paulo e faleceu em decorrência de complicações no quadro de saúde.

Aos 38 anos, já professor catedrático da USP, foi convidado para ser ministro da Fazenda por “entender de agricultura”. Tímido, 1m60 de altura, mais de 110 quilos, com sotaque do bairro paulistano do Cambuci, era desdenhado. Ninguém lhe dava um ano no cargo.

Ao longo dos sete anos como ministro da Fazenda dos governos Costa e Silva e Médici, no entanto, Delfim aproveitou cada oportunidade de acumular mais poder proporcionada pelo regime autoritário. Acabou com a curta independência do Banco Central, tabelou os juros e centralizou o câmbio. Criou uma comissão ligada diretamente ao seu gabinete para monitorar do reajuste de tarifas públicas ao preço do cimento e do petróleo. Manteve a política de reajuste salarial com base na inflação estimada e não na efetiva, o que, na prática, significou um arrocho nos salários.

Em 13 dezembro de 1968, Delfim Netto foi um dos ministros que votou a favor da decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5), que encerrou o que restava de democracia no Regime Militar e mudou por decreto-lei todo o sistema tributário nacional. “Eu não só assinei o Ato Institucional número 5 como assinei a Constituição de 1988, (mas) nunca apoiei a repressão.”

Após a ditadura militar, Delfim ainda foi deputado federal. Em 2006, após cinco mandatos por São Paulo, ficou fora da Câmara.

E, principalmente, se aproveitou da fartura de crédito externo para financiar o crescimento médio do PIB de 11,7% ao ano no que ficou conhecido, contra a sua vontade, como “milagre brasileiro”.

Tomado pelo gosto do exercício poder, Delfim imaginou que poderia ser o primeiro presidente civil do regime militar. Rechaçado pelo presidente Ernesto Geisel, Delfim terminou num exílio dourado de três anos como embaixador brasileiro em Paris. Retornou a Brasília com o governo Figueiredo como ministro da Agricultura, mas era pouco.

Apresentação de craque de futebol
A manchete do Estadão em 15 de agosto de 1979 foi “Delfim assume, começa a mudança na economia”. O clima na posse era de apresentação de craque de futebol. Quase mil empresários se acotovelavam no nono andar da Secretaria do Planejamento, de onde Delfim mandaria por toda a Esplanada dos Ministérios pelos próximos cinco anos e meio. (Embora tradicionalmente o Ministério da Fazenda concentre as decisões econômicas, no governo Figueiredo a primazia foi dada à Secretaria do Planejamento, primeiro com Simonsen e depois com Delfim).

“Senhores, preparem seus arados e suas máquina, nós vamos crescer! Temos que por um fim nessa mania de ficarmos enrustidos dentro das dificuldades. Este país não pode se permitir um crescimento menor. Esse país só enfrenta a crise crescendo mais!”, discursou. Foi ovacionado.

Mas como em uma comédia de erros, o Delfim de 1979 colhia os frutos deixados pelo Delfim do “milagre econômico”.

Delfim e o ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, indexaram a taxa de câmbio e a correção monetária à inflação, impuseram metas trimestrais para a expansão do crédito no setor privado e arrocharam os salários. O resultado foi a maior recessão brutal registrada no século 20. O PIB em 1981 caiu 4,4% e o desemprego estourou. Mais de 300 mil metalúrgicos paralisaram as fábricas no ABC Paulista liderados por um jovem sindicalista chamado Luiz Inácio da Silva, conhecido pelo apelido de Lula. Foram mais de mil greves no ano. O Brasil tornou-se uma panela de pressão.

Entre 1983 e 1985, a equipe econômica fechou seis cartas de intenção com o FMI, documento que servia como aval para o governo obter ao menos o pagamento dos juros da sua dívida externa. As cartas do Brasil ao Fundo Monetário Internacional se tornaram parte do anedotário da contabilidade mundial.

Foi deputado federal por São Paulo por 20 anos, entre 1987 e 2007, e saiu do papel de porta-voz dos saudosos do regime militar para um influente assessor dos governos Lula. A aproximação com o petista era mais uma reviravolta na carreira de Delfim.

Em 2002, depois de ter perdido três eleições presidenciais, Lula ampliou o leque das suas alianças. Trouxe para vice um empresário bilionário, autorizou seu coordenador econômico, Antonio Palocci, a lançar uma carta prometendo não fazer moratória da dívida pública e enviou intermediários para ter apoio de Delfim Netto. Ao longo do primeiro governo, os dois mantiveram conversas regulares em que o economista defendeu o ajuste fiscal em combinação com o financiamento de obras públicas, no que depois virou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Em 2008, Delfim disse que Lula era a encarnação do otimismo. “Lula é o maior economista do Brasil”, disse, em entrevista à Agência Estado. Em 2009, depois de o Brasil superar a crise financeira mundial, Delfim disse que “Lula salvou o capitalismo brasileiro”.

Apesar da hipérbole, Delfim era um analista refinado. Em 2014, foi ele que cunhou a expressão “tempestade perfeita” para os vários sinais de que a economia estava prestes a entrar em falência. Em 2015, decifrou as manobras triangulares dos orçamentos de Itaipu e do Banco do Brasil para o Tesouro Nacional que deram sustentação para o processo de impeachment.

Tribuna do Norte

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