Penitenciária Federal de Mossoró

A primeira fuga da história de uma penitenciária federal, ocorrida em Mossoró, na última quarta-feira (14), foi resultado de uma série de falhas no sistema que até então era considerado de segurança máxima. Contudo, as fragilidades do sistema já eram conhecidas do Governo Federal. O Ministério da Justiça foi alertado nos anos de 2021, 2022 e 2023 acerca de um grave problema de segurança, causado pelo sistema de videomonitoramento ultrapassado, incapaz de vigiar adequadamente o movimento dentro do presídio. Segundo documentos acessados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, o sistema de câmeras já tinha mais de 10 anos de utilização e necessitava de uma substituição. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, admitiu nesta semana, as falhas nas câmeras, mas não disse que o Ministério havia sido avisado.

A substituição chegou a ser feita, mas os novos aparelhos não tinham a tecnologia necessária. Ou seja, mesmo assim, o Ministério da Justiça não conseguiu resolver o problema. É o que conta o juiz federal Walter Nunes, que é corregedor da Penitenciária de Mossoró. “Realmente esse problema já é de um tempo. O sistema começou em 2006, Mossoró é de 2009. Naturalmente, o avanço tecnológico é frequente. Além da necessidade de evoluir na aquisição de tecnologia de ponta, tem o desgaste do tempo. Isso já era, há algum tempo, objeto de preocupação. Houve uma licitação na qual foram adquiridas câmeras, mas na hora da entrega elas eram parecidas, mas não tinham a especificidade adequada. Elas ainda não seriam da melhor tecnologia para uma unidade de segurança máxima e foram utilizadas porque mesmo assim seriam melhores que as anteriores”, disse.

O pedido para aquisição de um novo sistema está presente em um Termo de Referência direcionado à Secretaria Nacional de Políticas Penais, que é vinculada ao Ministério da Justiça, no dia 09 de fevereiro de 2023. O termo está anexado a um processo de compra de equipamentos e é assinado pelos então diretores da Penitenciária de Mossoró. No documento, consta que “faz-se urgente a aquisição dos equipamentos listados, saneando, de forma complementar, até a licitação e implantação da nova Plataforma de Segurança, o grave problema de Segurança desta Unidade Prisional Federal, ocasionado pela insuficiente estrutura de monitoramento por câmeras em operação”.

Também consta que a debilidade do sistema de circuito de tv era alvo de “constantes questionamentos do Ministério Público Federal (…) no tocante ao pleno funcionamento do Sistema de monitoramento por câmeras”. São citados quatro questionamentos: um em 2021, dois em 2022 e um em 2023. Em contato com a reportagem, o Ministério Público Federal confirmou o alerta direcionado ao Ministério da Justiça acerca dos problemas do presídio e disse que um novo sistema será adquirido. “Quanto às câmeras, a atual plataforma de monitoramento, embora apresente alguma obsolescência, permanece em funcionamento. Sendo que o Ministério da Justiça já iniciou um processo licitatório e o MPF está acompanhando esta aquisição”, apontou, em nota.

Entre os equipamentos necessários, estão quatro circuitos fechados de tv, discos rígidos, cabos, entre outros itens. No caso dos circuitos de tv, há especificidades como “o sistema deve operar com sua capacidade máxima, sem travamentos ou lentidão”, resolução em 1080p (qualidade de alta definição) e a possibilidade de 128 usuários remotos simultâneos. Essa última especificidade pode estar atrelada ao fato de as centrais de monitoramento de cada unidade estarem vinculadas a uma grande central localizada em Brasília, que também monitora em tempo real as cinco unidades federais. O recurso disponibilizado para compra do equipamento foi de R$ 55 mil. A reportagem tentou contato com o Ministério da Justiça. Eles informaram que seria necessário procurar a Secretaria Nacional de Políticas Penais.

Para o juiz federal corregedor do presídio, as câmeras seriam suficientes para evitar a fuga, mesmo não sendo as mais adequadas para o presídio. “Não era para ter fuga. A despeito da câmera ser melhor ou não, ela produz imagens. Além disso, há uma duplicidade de monitoramento, tanto o interno quanto um em Brasília”, acrescentou. Para que os dois presos pudessem fugir, outras falhas foram detectadas.

Presos portavam objetos de metal

O juiz federal Walter Nunes também elencou falhas no procedimento e revistas das celas, que continham objetos de metal usados para quebrar a parede, cercas elétricas sem funcionar, falta de alarme e ausência de muralhas no entorno da penitenciária.

Uma das falhas mais flagrantes que contribuíram para a fuga foi a presença de um objeto contundente para quebrar as paredes de concreto da cela. A partir disso, segundo Walter Nunes, os presos conseguiram ter acesso à tubulação existente para a eletricidade e por lá escapar. Uma barra de ferro teria sido utilizada para isso. Em um ambiente de segurança máxima, é impossível que dois detentos portem um objeto como esse. Isso porque as celas deveriam passar diariamente por uma revista. É o que aponta o juiz corregedor, Walter Nunes.

“Como é que eles saíram de dentro das celas? A cela é individual. Eles saíram por dentro da tubulação existente para iluminação elétrica, que é retangular, fica numa parede de concreto. Eles tiveram que tirar a grade de proteção dessas luminárias, cada um fazendo na sua cela e numa certa harmonia de tempo. Eles não teriam condições de tirar com as mãos, por mais forte que eles fossem. Precisariam de um instrumento contundente, que usaram. Como é que num presídio de segurança máxima, que deve ser inspecionado todos os dias, uma pessoa tinha um instrumento desse? Além disso, observando o local, além do instrumento contundente que foi identificado pela perícia, eles tiveram que aumentar o orifício para passar o corpo humano, em especial a cabeça, antes de entrar na tubulação. E para fazer isso, usava-se essa barra de ferro arredondada e quebrar o concreto. É um esforço grande, porque é concreto. E é uma coisa que não se faz em horas, talvez leve-se dois ou três dias. A conclusão é: falha de procedimento. Porque dentro dos protocolos existentes na unidade federal, que são os mais diversos, tem a inspeção diária das celas onde tem interno”, explica o juiz federal Walter Nunes da Silva Junior em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, alegando ainda que o instrumento seria difícil de ser ocultado.

O juiz corregedor da unidade, Walter Nunes da Silva Junior, acrescentou, durante a entrevista, que as cercas elétricas não estavam funcionando na penitenciária, bem como algumas câmeras desabilitadas em função de substituição. O juiz federal disse ainda que espera aguardar a investigação da Polícia Federal para saber se houve conivência de agentes penais federais acerca da fuga. “Não se sabe, a investigação é que vai ser capaz de confirmar ou não essa hipótese. É possível? Sim. Uma coisa já podemos dizer: houve erro de procedimento”, acrescentou.

Ex-diretor: “Sistema foi feito para não ter fuga”

Criado em 2006 como forma de ser um modelo de prisão para separação de lideranças de facções criminosas e desarticulação do crime organizado no Brasil, o sistema penitenciário federal “foi feito para não ter fuga”, segundo aponta Wilson Damázio, ex-diretor nacional do Sistema Penitenciário Federal e um dos fundadores do projeto criado há quase 20 anos. Ainda segundo Damázio, que é delegado aposentado da Polícia Federal, a complexidade do sistema requer “atualização constante do aparato estrutural”. Ele não acredita em conivência de agentes para a primeira fuga empreendida na história do projeto.

“O sistema penitenciário federal é uma ferramenta que considero a maior de combate ao crime organizado dos últimos tempos, isso em razão dos procedimentos e equipamentos existentes. Mas isso depende da continuidade do investimento dos equipamentos de segurança, tecnologia da informação e uma constante revisão de toda a unidade prisional, bem como reciclagem e acompanhamento constante de seus operadores”, disse.

Ainda segundo Wilson Damázio, que esteve em cargos de chefia na Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, a fuga pode ter acontecido por uma “falha humana involuntária”. Ele acrescenta ainda que além de uma central de monitoramento, que precisa estar em funcionamento na própria unidade, uma central em Brasília também monitora todos os presídios federais ao mesmo tempo.

“O sistema penitenciário federal foi feito para não ter fugas. A única possibilidade na minha avaliação que havia, na minha época como diretor, era a falha humana, que pode ser voluntária ou involuntária. Por exemplo: o cidadão que está na vigilância da unidade, que dormiu. Mas não fica só um, é mais de um. Essa é uma falha humana involuntária. Agora, se ele foi beneficiado de alguma forma para fazer vista grossa e compactuar com a fuga, aí é uma falha humana voluntária reprovável. Estou atônito com essa fuga, porque apesar do sistema ter quase 20 anos, ele foi feito para não ter fugas dentro das unidades”, disse.

Tribuna do Norte

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